junho 19, 2009

Por meio das relações mediatizadas

Não comprei um barco. E aparentemente tampouco matei o blog. Eu pretendia, e pretendia adotar o twitter como forma de existência virtual, mas ao fim abandono o twitter e volto para cá. Ainda que me agrade a idéia de enunciados de 140 caracteres, terminei por descobrir que muito mais que um serviço de microblogging, o twitter é um espaço de conversas entre amigos que se dão replys, retwits, comentam assuntos de interesse comum e convidam para o bar do fim de semana.

E é hora de aceitar que eu não estou no mesmo meio que meus amigos de twitter (que eram os meus amigos de mundo físico porto-alegrense). Acontece que eu não sei se chove torrencialmente em Porto Alegre, pouco se me dá se Inter e Grêmio ganham ou perdem, não comparecerei tão cedo a nenhuma festa do Beco e em nada me interessa o que o STF decide sobre o valor do meu diploma que já não vale nada mesmo neste país vizinho.

Acessar o twitter estava sendo mais ou menos como acompanhar um estranho reality show em que eu conhecia os personagens mas, no fundo, não entendia bem o enredo. Por mais que eu ainda me intere das notícias brasileiras, já não pego no ar as referências ao desgoverno Yeda. Por mais que eu saiba que a febre amarela se espalha pelo estado, a doença que domina minhas conversas atuais é a gripe porcina que já está na cidade (esta cidade de aqui, não a de lá – e agora percebo que é justo essa inversão de aqui e lá, o meu aqui sendo o lá dos meus amigos gaúchos e vice-versa, que me impede de ver graça no twiter).

A graça de saber que alguém está emburrado no trabalho é justamente poder dizer “ei, eu também, ceva às sete na cidade baixa?”. A graça de saber que alguém molhou as meias em uma poça, está tomando café com chocolate ou jogou uma vassoura contra a televisão quando apareceu o Sant’Anna é justamente a possibilidade de que se tenha passado pela mesma situação.

Por isso, abandono o twitter, que me parece muito mais um espaço de compartilhamento, para voltar ao blog, que tem mais cara de espaço de trocas. A gente não pode ter um diálogo, então eu conto e vocês me contam, cada um a seu turno. Da mesma maneira que me resulta às vezes difícil manter uma conversa de chat, mas sei que os laços com a cidade de lá se mantêm tão fortes quanto antes, firmados por longos e-mail escritos ao largo de numerosas tardes.

Não comprei um barco. Não sei para onde os ventos me levam. Mas sei de onde venho e sei que, não importa o caminho percorrido, a gente é um pouco feito da terra em que nasceu.

junho 08, 2009

Depois de uma mentira deslavada

achei que só para o blog não morrer de maneira feia, poderia vim dizer que estou com toda a vontade de morar em um barco. Quase certeza que é efeito de ter ido a cidade vizinha Tigre, onde as pessoas vivem em ilhotas e vão para o colégio e saem para trabalhar e tudo mais navegando pelo rio Sarmiento e fazem suas compras no barc-supermercado e andam no barco-ônibus e estacionam seu veículo nos molhes do vizinho. Em todo caso, seja efeito do que for, só me falta aprender a conduzir um barco e uns milhares de pesos para comprá-lo. E ojalá eu não sofra enjôos.

Tigre

março 13, 2009

É preciso falar para se defender. E é preciso palavras para falar.

Foi um artigo confessional que me deu a verdadeira noção do quanto precisamos de nomes para processar o que nos acontece e para dominar nosso pequeno entorno.

Latoya Peterson escreveu no blog Racialicious um depoimento sobre a epidemia do não-estupro. Ela conta como desde cedo aprendeu, inclusive na escola, a evitar estupros - não andar em ruas escuras, não andar sozinha, etc - mas nunca ninguém lhe falou de todas as formas de não-estupro. Ela cita as histórias de amigas que aos 11 anos foram seduzidas por homens de 20, meninas que sofreram abusos de tios ou padrastos e casos semelhantes. Todas histórias confessadas a amigas da mesma idade e nunca a adultos que tivessem poder para agir contra estes homens. Não porque não houvessem adultos em que elas confiassem, mas porque não havia o COMO contar.
Minhas amigas e eu confidenciávamos umas as outras, trocávamos histórias, compartilhávamos a dor, enquanto mantinhamos tudo escondido dos adultos nas nossas vidas. Afinal, a quem poderíamos contar? Isso não era estupro - não se encaixava na definição. Nós é que devíamos ter pensado melhor. Seríamos nós que levaríamos a culpa.
A importância das palavras se faz mais presente no que aconteceu com ela própria. Aos 14 anos, Latoya estava sozinha em casa quando um amigo de um amigo bateu à porta. Depois de meia dúzia de palavras, ele jogou a menina no chão e, segurando os braços delas com uma mão, correu a outra por todo o corpo dela por debaixo das roupas. Latoya nunca contou a ninguém porque acreditava que "não havia o que contar".
Aos 14 anos, eu não tinha as palavras para falar da minha experiência e torná-la real. Sem essas palavras, eu me vi silenciosa e impotente, aterrada pelo conhecimento do que não acontecera, mas incapaz de me libertar falando do que de fato acontecera.
O objetivo do artigo de Latoya é defender que se ensine a meninas não apenas o que é estupro e como evitá-lo, mas também todas as outras forma de violência contra a mulher e o que fazer caso tenha sido impossível evitá-las.
Não-estupro acontece de várias formas - normalmente conhecido por outros nomes. O que aconteceu comigo foi agressão sexual. Não é a mesma coisa que estupro, mas é maléfico e doloroso. Minhas amigas passaram por estupro presumido, molestamento e coerção.
Latoya acredita que se essas garotas soubessem disso aos 14 anos, teriam tido condições de falar sobre o que acontecera. Mas em não saber como nomear o ataque, ficaram impossibilitadas de lidar com ele.

março 12, 2009

Quando é difícil dizer

Hoje de manhã, enquanto eu tomava meu café com leite, minha mãe me chamou para mostrar as grades das janelas de um cômodo que está em reforma lá em casa. Aconteceu que o sujeito que comprou as grades escolheu o tipo errado. É difícil explicar, então coloco duas fotos:

Como era para ser              X                    Como foi            

É justamente sobre ser difícil explicar que queria falar. Minha mãe, enquanto lamentava o erro das grades, disse que tinha tentado explicar ao sujeito o que ela queria, mas era difícil já que nos faltam as palavras certas para descrever cada tipo de grade. Chamam-se arestas? Arestas deitadas ou de pé? Vertical ou horizontal? Não sabemos.

Na primeira aula de sociologia que tive na faculdade li um texto que dizia que aquilo que não nomeamos não existe para nós. É meio radical e meio simplista dizer assim, mas é fato que dar nome às coisas é o primeiro passo para que possamos interagir com elas, sejam grades de janelas, sejam pessoas, sejam sentimentos. Amanhã continuo, preciso ir ali aprender espanhol.

março 10, 2009

Dose homeopática de beleza

- Es feo y triste - le dijo a Fermina Daza -, pero es todo amor.
Em El amor en los tiempos del cólera, de Gabriel García Márquez

março 09, 2009

Feng Shui psíquico

Ontem ficou um clima meio baixo astral por aqui com a história dos presos, mas, no fundo, não vejo apenas desgraça em sermos essas criaturas tão frágeis e influenciáveis. Me parece haver uma grande vantagem nisso que é a possibilidade de usar esse poder condicionamento ou adaptação a nosso favor.

Nada de papo auto-ajuda, por favor. Nada de olhar no espelho e dizer "eu sou o máximo" três vezes ao dia. Mas se admitimos que somos seres suscetíveis ao que o ambiente nos impõe, podemos transformar o ambiente de maneira que ele nos transforme da melhor maneira possível. 

Certa vez li sobre um software que bloqueia o acesso a internet temporariamente. A idéia é que o sujeito que tem dificuldade para se concentrar ou tende a procrastinar ou costuma fazer mil coisas ao mesmo tempo sem terminar nenhuma, programe o software para bloquear a conexão por duas horas, tempo durante o qual o sujeito vai se ver obrigado a fazer o que pretendia de fato. É como colocar fora do alcance da vista aquele pacote de amendoins para parar de comê-los.

As duas coisas são apenas métodos de auto-manipulação. Há um termo psicológico para essa auto-privação, mas eu já não lembro. (Um psicólogo é a próxima coisa na minha lista de compras depois do filósofo). Mas acredito que também se possa alterar o ambiente para nos levar a fazer coisas e não apenas para deixar de fazê-las.

Uma vez eu decidi que ia usar protetor solar todos os dias. Foi um fracasso. Aí me ocorreu mudar o protetor de lugar, deixando ele na cabeceira da cama, totalmente à vista e à mão. E pronto. Funcionou lindamente. (Até o tubo acabar e eu nunca mais lembrar de comprar outro, mas isso são outros 500).

É um exemplo idiota, mas só porque eu não quero entrar em intimidades e dar exemplos relevantes. Era só pra dizer que se conhecemos um pouco dos nossos próprios mecanismos podemos criar um ambiente favorável ao processo de nos aproximar da pessoa que queremos ser.

março 08, 2009

O experimento da prisão

Da mesma maneira que seguir ordens pode levar a coisas terríveis, dar poder a alguém deve ser um dos caminhos mais curtos para corromper essa pessoa.

Um outro experimento universitário incrível foi feito em Stanford e tinha como objetivo estudar os efeitos psicológicos da vida na prisão. Então 18 universitários voluntários foram sorteados ao acaso entre um grupo de nove presos e nove guardas. No depósito do departamento de psicologia da universidade, se criou a prisão.

O experimento foi tão revelador que hoje tem um site próprio, onde uma apresentação de slides reconta todos os acontecimentos. Recomendo muito, mas em uma versão mega reduzida foi assim:

Os presos foram recebidos da mesma maneira que presos reais. Revistados sem roupas, ganharam uniformes iguais, passaram a ser chamados por um número. Os guardas eram livres para fazer o que quisessem a fim de manter a ordem. Nas primeiras horas, ninguém assumia realmente o seu papel e os castigos para os presos que faziam piadinhas ou reclamavam de alguma tarefa era fazer uma série de flexões. No geral, o primeiro dia foi tranquilo.

No segundo, os presos se rebelaram, colocando as camas contra as grades. A partir daí a coisa fica séria. Os guardas disparam extintores de incêndio contra os presos e dominam a situação humilhando e insultando-os. Os guardas começam a usar táticas psicológicas para controlar os presos, além de decidir cada passo da vida deles.

Os incrível é que os presos obedeciam a tudo. A recém no 3° dia, metade deles já se apresentava pelo número e não pelo nome e nenhum jamais chegou para os pesquisadores e disse "olha, isso aqui é só um experimento, vocês não tem poder real nenhum sobre mim e eu estou indo embora". Assim como nenhum guarda pensou "esses presos são apenas estudantes como eu sorteados ao acaso, não posso obrigá-los a limpar os vasos sanitários com as próprias mãos" (um castigo que realmente foi usado). Os pesquisadores ainda haviam descoberto que os guardas aproveitavam as horas do meio da noite, quando achavam que ninguém estava olhando, para se divertir às custas de abusos cada vez mais pornográficos e degradantes. Nem todos guardas eram horríveis, claro. Um terço era rígido, mas apenas seguia as regras. Um terço era amigável. E um terço era hostil e se dedicava a criar novas e mais humilhantes formas de controle.

O saldo do experimento foram quatro presos com crises nervosas e saídas antecipadas, um preso com uma alergia psicossomática e todos absolutamente isolados uns dos outros. Ao final do sexto dia da experiência que deveria durar duas semanas, os pesquisadores decidiram encerrar  antes que todos os presos saíssem de lá aos frangalhos.

O que mais me impressiona nisso é a maneira como o ambiente transformou esses homens. Não apenas o ambiente físico de grades e sujeira, mas também o ambiente simbólico de regras e noções de como guardas e presos devem se comportar, tudo rapidamente interiorizado pelos dois grupos. Me espanta a facilidade com que somos capazes de assumir papéis e nos transformarmos neles.

Afinal, o que faz de nós o que somos? Os garotos não eram presos nem guardas, mas seria difícil negar que eles se transformaram naquilo. Depois de um dia, não estavam mais atuando, eles eram o que tinham determinado ser. Quando um segundo preso teve um ataque nervoso, o pesquisador precisou quase sacudi-lo pelos ombros dizendo "ei, você não é um presidiário, você é um universitário, os guardas também, isso é só um experimento, volte à realidade e vá pra casa".  E então há essa oposição entre quem o garoto era de verdade e o que ele estava sendo de brincadeira, mas a sua vida REAL foi algo tão construído quanto a faz-de-conta. Se tornar um universitário ou se tornar um presidiário são coisas que nos acontecem por um motivo ou outro, mas não são coisas que nós SOMOS. Todos estamos sujeitos a ser preso um dia - mesmo que injustamente por falsa acusação - e nos vermos reduzidos a migalhas. Para mim, o experimento prova o quanto é frágil a nossa identidade

E deixa a pergunta, o que o nosso mundinho comum aqui fora faz com as nossas identidades?  Todo ambiente exerce suas influências e casos extremos dão pistas de como (basta pensar em casos de naufrágios, a queda daquele avião nos alpes, pessoas perdidas na selva, etc). Mas sem dúvida, o ambiente "comum" tem seus efeitos. Quais? O que o espaço urbano, o transporte público, um emprego, uma fila de banco faz com a nossa idéia de quem somos? 

março 07, 2009

Voltando aos experimentos humanos

É impressionante as coisas que os seres humanos são capazes de fazer se receberem uma ordem.

Há um famoso experimento psicológico que colocou pessoas comuns no dever de aplicar choques elétricos em um "aluno" caso ele errasse as respostas para determinadas perguntas. Pesquisadores de Yale chamavam um sujeito, digamos o John (aquele que não aparece aqui desde que teve que jogar um gordo nos trilhos de um trem), e diziam que ele ia ajudar em um experimento comportamental. Mas diziam ao John que a cobaia era, na verdade, o tal aluno. O objetivo era ver até onde John era capaz de ir.

Digamos que o aluno, que ficava sozinho em uma sala, respondendo às perguntas (um ator que apenas fingia levar choques) errasse uma primeira vez. John, em outra sala onde havia um botão que supostamente disparava os choques, deveria dar um choque leve, cerca de 15 volts. Se o ator errasse de novo, a descarga elétrica aumentava e assim suscessivamente até chegar aos 450 volts, um choque potencialmente mortal.

O ator fingia errar muitas perguntas para que John, que estava ao lado de um pesquisador, fosse aumentando os choques consideravelmente. Em certo momento, o ator começava a reclamar de dor. A maioria das cobaias (os Johns da vida) olhava para o pesquisador perguntando o que fazer, e este respondia que ele devia continuar. Os Johns continuavam. Quando o ator fingia estar passando mal, se debatia contra a parede e parava de reagir, todos os Johns ensaiavam uma recusa em continuar aumentando os choques, mas bastou uma resposta firme do pesquisador dizendo que eles tinham o dever de prosseguir para que 65% dos participantes fossem até o mais forte choque, mesmo sabendo que ele poderia ser fatal. Apenas 1% dos participantes parou antes dos 300 volts.

Lembrei disso quando vi O Leitor. ALERTA para quem ainda não viu: vou contar a história, então se você não gosta de spoilers, pare de ler, ainda que o filme não tenha nada de surpreendente, mas enfim.

Lembrei de O Leitor, de como Hanna diz no tribunal que manteve fechadas as portas da igreja que pegava fogo porque era o seu dever. Assim como as cobaias dos choques tinham um dever com uma pesquisa. Fiquei pensando em como é que nos deixamos cometer atos tão cruéis sem necessariamente termos a intenção da crueldade.

Os Johns ali de cima não queria fazer mal ao cara que levava choques, pelo contrário, mas ainda assim o fizeram. O que é que nos transforma em criaturas tão submissas que colocamos o respeito à autoridade acima da compaixão?

Também me surpreende como valores que são cultivados e passados adiante na sociedade podem contribuir com ações terríveis como a de Hanna Schmitz. Eu sei que é uma obra de ficção, mas a situação não é nada absurda e serve para o que quero dizer. No discurso que ela dá no tribunal é fácil ver que Hanna foi guiada por valores como respeito à autoridade, compromisso com o trabalho e determinação. Faltaram a ela outros valores mais humanitários, obviamente, ou lhe faltou priorizá-los, mas o que quero dizer é que respeito à autoridade, compromisso com o trabalho e determinação são coisas que nos ensinam como essencialmente boas desde a escola. São valores que sustentam, em grande parte, a sociedade, a família, o capitalismo, etc. Mas de alguma forma, eles são passíveis de serem distorcidos, ou exagerados, ou o quê? ao ponto de levar alguém a trancar prisioneiros em um prédio pegando fogo.

Não estou dizendo que isso seja um problema, que devemos pensar em uma solução. Só aponto algo que me surpreende. Mas se fosse para pensar em termos de problema/solução, eu chutaria que essas distorções de valores, ou esses desequilíbrios que colocam respeito à autoridade acima de respeito ao próximo, por exemplo, não se criam porque reforçamos demais os valores do primeiro tipo, mas porque damos pouca importância ao aprendizado dos valores do segundo tipo.

Me parece que temos fé demais na idéia de que coisas como empatia, compaixão e generosidade são naturalmente parte do ser humano ou, ainda, algo inerente ao caráter de cada um, ou se nasce com isso ou não e ponto final. Passamos um bom tempo ensinando às crianças que devem obedecer aos pais, aos professores, para que depois obedeçam aos chefes, às leis, mas não dedicamos muitos esforços em ensinar uma criança a ser gentil, a ver os outros com igualdade. Se colocar no lugar do outro é um exercício difícil e requer um aprendizado tão ou mais complexo que assimilar um sistema de regras.

março 06, 2009

Algas marinhas

Pausa. Retomo os assuntos sérios amanhã.

Acontece que por uma dessas coisas da vida que acontecem sem muito propósito, eu aceitei três algas marinhas usadas para enrolar sushi e agora não sei o que fazer com elas. Sushi está fora de cogitação porque não valeria a pena comprar peixe e arroz branco para fazer apenas três rolinhos.

Idéias?

março 05, 2009

O assassino bom

Outra coisa interessante sobre a moral são as exceções a regras que, à primeira vista, parecem universais e absolutas. Praticamente todas as sociedades humanas não aceitam o assassinato. Faz parte da nossa programação biológica que trabalha em prol da sobrevivência da espécie e faz parte do que aprendemos quando nos ensinam o que é certo e o que é errado.

Ainda assim, há, não apenas uma, mas diversas situações em que essa regra de convivência tão básica pode ser quebrada de forma socialmente aceitável. Se matamos alguém em legítima defesa, estamos isentos de qualquer consequência legal e ninguém nos acusará de assassino ou criminoso.

Apesar de estar em extinção, a pena de morte ainda é praticada em diversos lugares do mundo e é uma forma socialmente aceitável de assassinato. Há uma enorme quantidade de pessoas que a condenam, mas, mesmo assim, aos olhos da lei, matar alguém que matou outra pessoa - nada mais que uma oficialização da vingança - é um ato válido.

Com isso, o ato puro de matar uma pessoa não parece mais conter um valor em si. O assassinato pode, inclusive, mais que ser socialmente aceito, ser louvado. Policiais são treinados para matar, caso uma ação extrema assim seja necessária. Se em uma situação de sequestro, esgotadas todas as possibilidades de negociações pacíficas, cabe a um policial atirar no sequestrador para libertar os seus reféns, e ele o faz com sucesso, é possível que a ação ganhe até ares de heroísmo.

De uma forma um pouco mais "enfeitada", é no elogio ao assassinato que se baseiam as forças militares. Um bom soldado nada mais é que alguém que consegue matar muitos soldados do lado rival. Mas mesmo os mais pacifistas têm dificuldade em apontar o dedo para um soldado. Um dos hinos dos jovens dos anos 60 que protestavam contra a Guerra do Vietnã era "nós não somos contra os soldados, somos contra a guerra". Mas, na prática, quem fazia a guerra diária era, sim, a massa de soldados anônimos que tiravam a vida de outros soldados anônimos. Entretanto, por eles estarem sob o comando de militares do alto escalão e a serviço do governo, suas ações não são mais sequer julgadas como suas. Os manifestantes eram contra a decisão de matar, mas não eram contra os homens que estavam puxando o gatilho.

Mas desvio do assunto. Deixo essa coisa de estar sob as ordens de outrem para amanhã.

março 04, 2009

Matar uma pessoa para salvar cinco

A questão do vídeo de ontem é apenas uma entre milhares possíveis e talvez nem esteja tão ligada à moral quanto à intenção. Mas pesquisadores de Harvard decidiram explorar a fundo a maneira como os humanos lidam com a moral e uma das frentes de pesquisa é um questionário online aberto a todos que quiserem participar.

Com perguntas simples, o teste demonstra como nossas crenças podem ser bem mais frágeis do que supomos. Uma questão apresenta o seguinte cenário: John está em uma estação de trem e vê que há um vagão solto correndo pelos trilhos. O vagão está indo em direção a cinco trabalhadores. No outro trilho, há apenas uma pessoa. John está, por acaso, ao lado de uma alavanca que pode mudar a direção dos trilhos e fazer com que o vagão passe por cima de apenas uma pessoa, ao invés de cinco. É aceitável que John mude a direção dos trilhos?

A maioria das pessoas responde que é moralmente aceitável sacrificar uma pessoa para salvar cinco. Porém, alterando-se levemente o cenário, as respostas mudam drasticamente.

De volta a John: ele está na estação de trem e o vagão solto está correndo na direção de cinco pessoas. Ao lado de John, está um homem extremamente gordo que, se jogado nos trilhos, interromperia o trajeto do vagão, matando o homem gordo e salvando os outros cinco. É aceitável que John jogue o homem nos trilhos?

A maioria das pessoas responde que não, ainda que a conclusão seja essencialmente a mesma: sacrificar uma pessoa para salvar cinco.

O mecanismo que nos faz aceitar que John mexa uma alavanca mas não que ele jogue um homem nos trilhos está provavelmente ligado às diferenças entre ação e não-ação e ação direta e indireta. Hélio Schwartsman, ex-colunista da Folha, escreveu (sobre a mesma questão ainda que com outros personagens) que, no primeiro caso, a morte de um inocente foi como um efeito colateral de uma ação - mexer a alavanca - que visava salvar pessoas. Já no segundo caso, a ação - jogar o gordo nos trilhos - visava a morte de uma pessoa que teria o efeito colateral de salvar outras. O colunista escreve:
Estamos aqui, se quisermos, diante da materialização empírica do imperativo categórico kantiano, que nos proíbe de usar seres humanos como meio para obter um fim (mesmo que nobre). Se assim não fosse, um médico estaria livre para capturar um sujeito saudável que passasse diante do pronto-socorro e, arrancando-lhe rins, fígado e coração para transplante, salvar a vida de quatro doentes.
Divertido, não?

março 03, 2009

Compro filósofo

Quando eu tiver milhões de dólares sobrando no banco (um banco suíço, naturalmente), além dos iates, palácios e jatos, vou me comprar um filósofo. Não sei como andam os preços no mercado negro de filósofos, mas a julgar pela desvalorização geral de tudo que requer cérebro, há de ser uma pechincha.

Meu filósofo vai ter a única função de debater comigo qualquer tema que eu escolha e esclarecer algumas questões que me deixam cheios de nós os pensamentos. Hoje, por exemplo, eu discutiria essa nova onda de filosofia experimental. A idéia por trás disso é que os filósofos devem sair de suas poltronas e testar suas teorias empiricamente.

Os testes empíricos seriam entrevistas e experimentos de laboratórios com pessoas comuns. Por exemplo, digamos que meu filósofo está estudando a moral, um problema muy filosófico. Ele vai, então, chamar um número de pessoas, colocá-las frente a uma pergunta e ver como elas respondem. O vídeo explica melhor que eu:



O que me intriga é que se eu visse esse vídeo sem saber nada sobre filosofia experimental, eu não pensaria duas vezes antes de dizer que é um experimento psicológico. Por isso, hoje, tivesse eu um iate, um palácio e um jato, eu chamaria meu filósofo e perguntaria afinal, esse negózdi filosofia experimental é filosofia ou psicologia? Ou as duas coisas podem andar juntas? Eu me surpreendo porque esse povo da filosofia costuma ser um pessoal SÉRIO. No meu mundinho de estereótipos, o tipo de gente que quer entrar nos altos círculos intelectuais da filosofia despreza o tipo de gente que busca ajuda com cientistas menores, como os pobres psicólogos.

Particularmente, eu acharia ótimo que eles se juntassem. Adoro o tipo de problema que se coloca no vídeo acima. Poderia passar horas pensando nessas coisas. De fato, já passei. Por isso, amanhã, volto para falar dos pesquisadores do departamento de psicologia de Harvard, uma galera que também passa horas pensando nessas coisas.

março 02, 2009

Pelo humor negro

Para continuar o clima leve dessa segunda-feira em que o céu se desmancha em água sobre Porto Alegre, recomendo, divulgo e faço campanha pelo outro blog em que eu assino meu nome. Bem, na verdade, não assino porque é anônimo, mas é melhor assim porque evita processos, e-mails indignados e, claro, a FAMA, que não é muito a minha praia. Lavamos Noz é idealizado por André Hotel Santa Clara Ressel e se tornou nosso espaço para a prática do jornalismo humorístico.

Gelado, expresso ou com leite

Não posso dizer que compartilho do frenesi cafeínado do nosso amigo do vídeo porque acho que tomar café todos os dias desde criança deve ter me deixado imune a essa agitação que supostamente ele causa, mas, ainda assim, compartilho do entusiasmo pela bebida. E é um vídeo engraçado para uma música divertida.

fevereiro 28, 2009

fevereiro 27, 2009

Doses homeopáticas de beleza

Eu amo a minha morada
A Terra triste.
É sofrida e finita
E sobrevive.

Eu amo o Homem-luz
Que há em mim.
É poeira e paixão
E acredita.
Hilda Hilst, em Cantares

fevereiro 26, 2009

Ainda é feio gostar de ver o Oscar?

Já se passaram uns três dias desde o Oscar, mas como ninguém se recuperou ainda do Carnaval, acho que está em tempo de dizer o que eu gostei e não gostei nessa que vinha prometendo ser uma cerimônia inovadora. E foi. E funcionou. E eu ganhei o bolão milionário que fizemos entre quatro pessoas. Mas ninguém me pagou. 



Hugh Jackman virou meu ator preferido. Pelo menos, meu ator preferido quando não está atuando, porque acho que jamais me recuperarei de Austrália. Mas Hugh Jackman cantando e dançando é meu ator preferido. Podia ir cantar e dançar lá em casa.









Atores indicados foram anunciados por cinco atores que venceram em outros anos. Rendeu alguns momentos bonitos, alguns momento engraçados e alguns momentos constrangedores. Qualidades de uma boa cerimônia, eu diria.











Eddie Murhy errou o caminho e ao invés de ir para a entrega dos Framboesas de Ouro acabou no Oscar.












Hugh Jackman em seu musical "preparado em casa" cantou com Anne Hathaway a paraódia para Frost/Nixon. Já disse que Hugh Jackman é meu ator preferido?












Heath Ledger levou o Oscar previsível da noite e sua família fez a platéia inteira chorar.













O completo maluco que caminhou na corda bamba entre as torres gêmeas e inspirou o documetário O Equilibrista fez um truque de mágica e equilibrou o Oscar no queixo. Deveria dar um curso de "como receber a sua estatueta" para todos os indicados.


















Penélope Cruz ganhou e agradeceu ao Almodóvar, que nada tem a ver com o filme pelo qual ela ganhou. Gostei da lealdade à Espanha.


















Sean Penn ganhou e reforçou o discurso do roteirista de Milk dizendo que aqueles que votaram contra a Proposição 8 ainda sentirão vergonha por isso diante de seus netos. Achei uma abordagem interessante pro tema. Se hoje alguém teria vergonha de ter uma avô escravocrata ou nazista, é possível que no futuro ter um avô homofóbico seja igualmente injustificável.














E esse é o roteirista do Milk, que foi a coisa mais querida e provou que todos os homens gays são bonitos.



















Ben Stiller imitou Joaquin Phoenix provando que um hoax é sempre a melhor estratégia para ser o centro das atenções. Se tudo der errado, vou largar o jornalismo e virar rapper.









Sophia Loren fez tantas coisas com o rosto que eu juro que não sei se acho que ela está bonita ou feia.






Ia comentar também a grande presença de estrangeiros. Pelo menos dois japoneses saíram premiados e muitos, muitos indianos estavam por lá, mas não peguei fotos deles porque eram meio parecidos entre si e eu me confundia. Não é algo de que eu me orgulhe, mas não tenho culpa se o olhar ocidental não tem treino para diferenciar os traços orientais. Juro que quando um indiano dizer que eu sou igual à metade do mundo não vou me ofender.

Mas eram muito estrangeiros, como eu dizia, o que pode ser bom ou pode ser só política. Mas, de qualquer modo, Bollywood e Hollywood nunca estiveram tão próximas, o que só pode ser boa coisa.

fevereiro 25, 2009

fevereiro 24, 2009

O blog do Kafka

Esses blogs do além estão na minha lista de coisas que justificam a internet. Nada mais é necessário ser dito sobre o assunto, então deixo que Kafka fale um pouco:
Estou trabalhando num romance e muitas questões me assolam. Vou contar a idéia básica do livro e talvez vocês possam me ajudar. Num certo dia, um sujeito, que é funcionário público, acorda, na sua cama, transformado numa barata. A partir dessa transformação, tenho dois grandes caminhos a seguir. No primeiro, farei dessa história uma metáfora dos efeitos da massificação gerados pela sociedade industrial no indivíduo. Com um clima de angústia e desconcerto, pretendo antecipar o surgimento de fenômenos como o do nazismo, e assim fazer um marco literário de grande valor para a humanidade. O segundo caminho é transformar o personagem principal num protagonista divertido de história infantil: o Q Barato. Q Barato, depois de ter se transformado, partirá da sua aldeia para descobrir, no mundo dos insetos, que todos os seres vivos têm uma importante missão no equilíbrio do planeta. Até mesmo uma baratinha nojenta e rejeitada. Com a criação de mais dois personagens, um pernilongo espoleta e aloprado, mas de bom coração, e uma joaninha princesa linda e rica, que vai se apaixonar pelos verdadeiros valores do Q Barato, a Pixar pode se interessar. No caminho um, o título será A Metamorfose; no dois, A Barata é um Barato.
Também recomendo as impressões de Gutenberg e o sucinto Tim Maia.

fevereiro 23, 2009

Generation gap

Às vezes imagino o que a minha geração vai pedir para os filhos fazerem, à maneira como nossos pais nos pedem para dar um jeito no computador ou ensinar a usar o celular. Que tecnologias vão surgir no futuro que seremos velhos demais para entender ou para se dar o trabalho de se interessar?

Li um artigo de um cara (que perdi) sobre como tudo que for criado depois que tivermos 30 anos de idade vai ser sempre uma ferramenta estranha, mesmo que aprendamos a usá-la, nunca a dominaremos por completo. Não dei muita bola já que ainda me restariam uns sete anos de tranquilidade tecnológica, até o momento em que li isso:
você vai apertar a campainha e usa qual dedo? se for o indicador, você quase certamente tem mais de trinta anos de idade. os mais jovens usam o dedão
Já tinha lido sobre o dedões superdesenvolvidos mas não sabia da estatística dos 30 anos, e aí que me preocupei porque, aos 23, nunca cogitei usar qualquer outro dedo para tocar uma campainha que não o indicador. Isso indica (no pun inded) que, tecnologicamente, já passou a minha época?

Não se trata apenas de dedões. De uns tempos para cá, comecei a me deparar com um comportamento de gerações mais jovens que eu jamais poderia ter imaginado. Há não muito tempo, eu acreditava estar acompanhando as mudanças mesmo que à distância. Por exemplo tirar fotos em frente ao espelho e montar um flickr não é algo da minha geração, mas eu sempre soube que era atividade corrente entre meninas uns anos mais novas. Mas agora me aparece isso de sexting, do qual eu nunca tinha ouvido falar mas deve ser minimamente popular nos EUA para já ter até uma denominação específica.

Fora o espanto de saber que adolescentes estão se mandando fotos explicitamente sexuais e o espanto de saber que estão sendo tratados como criminosos por isso, o ponto é que coisas como sexting e dedões superdesenvolvidos me dão a sólida sensação de que já há no mundo uma geração a qual eu absolutamente não pertenço. É primeira generation gap de que participo no grupo dos mais velhos.